A descoberta da raiva

Alex fala sobre mágoa por não ter disputado Copa do Mundo e conta como fúria se tornou combustível em 2003

Eder Traskini e PVC Do UOL, em São Paulo (SP) UOL

Em uma tarde em meados do final de 2002, início de 2003, Alex deixava a Toca da Raposa e dirigia para casa. No caminho, a cabeça vagava em pensamentos sobre as tantas críticas que vinha recebendo, ia de frase em frase, de pessoa em pessoa.

Quando chegou em casa, o meia olhou para a esposa que segurava um papel nas mãos. "Fulano falou isso sobre você, ciclano falou aquilo. Sua missão é calar todos eles", disse ela antes de atirar o papel contra seu peito.

Alex sabe até quem são e o que cada um disse sobre ele. O meia não queria voltar para o Cruzeiro no final de 2002 depois de ter sido dispensado em janeiro do mesmo ano. Até hoje ele diz não saber o que motivou a dispensa.

Não. Alex não estava voltando para o Cruzeiro no final daquele ano logo após não ser chamado para a Copa do Mundo que rendeu ao Brasil o pentacampeão mundial. Alex voltava a Minas Gerais apenas e somente para ser treinado por Vanderlei Luxemburgo.

Naquele momento, Alex descobriu dentro de si um sentimento que lhe era estranho até então. Demorou até o meia identificá-lo: era raiva. Raiva dos cartolas que o haviam dispensado, raiva de quem falava "tantos absurdos" sobre ele. Raiva que foi respondida com títulos: a tríplice coroa de 2003.

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Ausência em Copas

Se engana, porém, quem pensa que tal raiva poderia ter a ver com a seleção brasileira. Faria sentido, sim, afinal, Alex fez parte de todo o ciclo da Copa do Mundo de 2002, mas não foi chamado para a Copa por um treinador que o conhecia muito bem: Felipão foi campeão da Libertadores com o Palmeiras de Alex em 99.

Mas segundo o meia, isso não tem relação com a raiva. Mágoa, sim. Dor, também.

"Muita gente achava que era o Felipão, a Copa do Mundo... Não tinha nada a ver, era o ambiente de Belo Horizonte. Eu ouvi que eu dormia em campo, que eu participava pouco e que eu era frio", relembra.

A Copa do Mundo é um capítulo à parte da vida de Alex. Um capítulo que teimou em não ser escrito e que machucou o meia.

"Queria muito ter jogado a Copa, mas não me faz falta hoje. Por bola, poderia ter ido em 2006 e 2010 também, mas por opção dos caras eu acabei não indo. Em 2002 fez muita falta. Era uma comissão que me conhecia, participei do processo, tem jogadores que foram à Copa do Mundo que surgiram na seleção dois meses antes. Felipe fez as opções dele, opção vitoriosa, Brasil acaba ganhando. Na época, por alguns meses, foi muito ruim, mas já no ano seguinte eu consegui dar a volta, muita gente me ajudou".

E se Alex não ganhou a Copa, o azar é da Copa? Bem, ele não concorda nada com essa afirmação.

"Não, você é louco? Claro que não. Não tem lógica nenhuma. Se você ver o tanto de gente melhor que eu, que jogou mais futebol que eu, primeiro que não teve a oportunidade de ir para a Copa e depois teve gente muito boa... A geração entre 74 e 94 que não ganhou a Copa do Mundo, muitos não participaram e muitos participaram, os caras são espetaculares", diz.

Christof Koepsel/Bongarts/Getty Images Christof Koepsel/Bongarts/Getty Images

Contrato assustador na Turquia

Durante o ano da histórica Tríplice Coroa com o Cruzeiro, Alex rejeitou inúmeras investidas do Fenerbahçe (TUR). Os turcos vinham ao Brasil a cada 20 dias aumentar a proposta pelo meia, mas Alex havia deixado claro ao seu empresário Juan Figger que não queria jogar em outro país europeu que não fosse a Espanha.

Só que os turcos tinham duas qualidades que, com o tempo, convenceram Alex: insistência e dinheiro.

"Em março de 2004, eles vêm com uma proposta boa. Eu sento com o Juan Figger e pergunto se tem algo da Espanha. Ele fala que tem, que podíamos conversar até com o Barcelona, mas que eu precisava olhar os valores e me diz: 'estou nisso desde a década de 70 e eu nunca vi um clube aumentando oferta como estão'. Acertei em duas semanas".

O "não" inicial de Alex também tinha outro motivo: sua esposa estava grávida e já havia perdido duas vezes. O meia não queria deixar o Brasil e ir a um país desconhecido em uma época tão delicada. Passado esse período, com o nascimento da filha, o meia fez diversas exigências aos turcos e se surpreendeu com todas elas sendo aceitas.

"Meu contrato era assustador. Eu fui porque realmente não tinha como abrir mão daquilo. Tudo que minha mulher inventava, eu inventava, seu Juan inventava, os caras 'ok, ok, ok'. Não tinha como falar não para os caras. Eu tinha mais de 20 passagens aéreas. Se você pegar contrato dos tops da Europa, não tem tanto assim. Eu chego com dois carros, casa, esses bilhetes, prêmio por jogo, prêmio por assistências, artilharia. Era para ficar três, acabei ficando oito".

O 'não' à Europa

Não há dúvidas de que Alex tinha futebol para ter atuado em um dos grandes clubes da Europa. O meia teve uma passagem frustrada pelo Parma (ITA) aos 22 anos, voltou ao Brasil e fez carreira no país até ser negociado com o futebol turco.

Alex brilhou no país transcontinental que tem parte de seu território pertencente à Europa e chegou a receber diversas ofertas dos grandes centros europeus, sobretudo após o término do seu primeiro contrato de três anos com o Fenerbahçe.

"Quando acaba meu contrato com na Turquia, eu tenho 30 anos. Não sou mais jogador de mercado europeu. Você passa a ser jogador de uma segunda via de mercado. Conversei na época com o Borussia Dortmund (ALE), Hertha Berlin (ALE), Benfica (POR) e comecei a pensar se valia a pena fazer toda essa mudança de novo. Já tinha passado outra Copa, não fui para 2006, valia a pena?"

A conclusão de Alex foi que não valeria a pena deixar a Turquia para jogar na Alemanha ou em Portugal. E foi assim que um dos meias mais cerebrais dos últimos anos se tornou um ídolo nacional na Turquia e atuou oito anos no país.

Até hoje, Alex precisa ir ao país quietinho, sem divulgar sua presença. Quando chega de avião, há um policial para buscá-lo na aeronave. O ex-meia aguarda a triagem em uma sala da polícia, quando as malas são liberadas recebe escolta até o carro.

"A segurança não é nem pra mim, é para eles, para não criar um tumulto", confessa.

Sebastian Perez/Reuters Sebastian Perez/Reuters

O Palmeiras do futuro

Agora técnico, Alex esteve na Academia de Futebol do Palmeiras recentemente e não escondeu o tamanho do crescimento que sentiu ao comparar com a época em que jogava pelo clube.

"Se uma pessoa entra na academia do Palmeiras no fim da década de 90... Sempre brinco que fomos campeões da Libertadores com uma estrutura bem pequena. Lá tinha dinheiro para contratar jogadores, mas estruturalmente perdia para várias equipes do futebol brasileiro".

Revelado pelo Coritiba, Alex chegou ao Palmeiras em 1997 e oscilou um pouco até se tornar protagonista no clube. Ele venceu a Copa do Brasil em 1998 e a Libertadores em 1999. Ele passou por Flamengo, Cruzeiro, Fenerbahçe e voltou ao Coritiba para encerrar a carreira.

"Quando volto em 2014, já ex-jogador, tinha uma estrutura um pouco melhor, mas ainda perdia para outros clubes do Brasil. Na época, o Paulo Nobre falava em renovar a estrutura para um 'Palmeiras do futuro'. E hoje eu encontro esse time do futuro: estrutura física espetacular, processos internos bem resolvidos e uma comissão técnica que funciona bem e faz esse Palmeiras vitorioso de hoje"

Alex chegou a fazer um estágio com Abel Ferreira no Verdão após deixar o comando técnico do Avaí. Ele elogiou o período com o português.

"Pra mim, foi espetacular porque consegui traçar um paralelo das épocas que vivi o Palmeiras e o período de hoje. São três Palmeiras diferentes. Um crescimento absoluto do clube durante esses anos todos."

Martin Venegas/AllsportUK via Getty Images

Não era top-5 em talento no Coxa

"Quando vou para a seleção e conheço o Ronaldo Fenômeno meu pensamento é 'nossa, eu não jogo nada perto desse cara'. Muitos falam que Alex foi craque, teve talento absurdo, mas eu discuto muito isso porque tinha gente muito mais talentosa que eu. Na base do Coritiba, se eu for fazer uma fila de talentos dos nascidos entre 1973 e 1980, eu seria o sexto ou sétimo talentoso".

Pode parecer loucura, mas essa frase foi dita pelo próprio Alex. Na verdade, o ex-meia não quer diminuir o seu futebol, mas mostrar que só o talento não adianta no mundo da bola.

Como o próprio Alex revelou, a raiva das críticas da imprensa de Minas Gerais na época do Cruzeiro o motivou para a Tríplice Coroa de 2003, mas essa não foi, nem de perto, a única vez em que o ex-jogador precisou aguentar fatores extracampo e mesmo assim mostrar todo seu "talento" dentro das quatro linhas.

"Tinha muita gente com esse talento. Agora, abdicando, trabalhando, suportando, ouvindo o tanto de absurdo que eu ouvi ao longo da vida, sendo criticado por gente que nunca entrou no vestiário, gente que não entende nada do que acontece dentro do futebol e mesmo assim forma opinião das pessoas, tendo que brigar por espaço no Coritiba, no Palmeiras, provar de novo no Cruzeiro, ir para um país que não tinha nada a ver comigo e ficar oito anos lá, jogar na seleção com todos os nomes que joguei, passar pelas situações legais e ruins na seleção..."

Eu sempre brinquei que quando chego no São Paulo eu sou o menino do Coritiba com 17 anos, no Avaí, sou o menino que chegou no Palmeiras. Tinha que entender como era, conversava muito, oscilava muito"

Alex

Como atleta eu sabia que eu ia atingir meu ápice, talvez como treinador eu chegue à conclusão de que é uma situação tão enraizada que talvez eu não suporte passar por isso, não queira"

Alex

Isso já vi com várias pessoas do meio do futebol. O cara tenta, insiste um pouco, mas chega em um dado momento que ele dá um passo para trás e fala: 'vou fazer outra coisa'"

Alex

Cabeção de técnico

A nova empreitada de Alex exige ainda mais do meia que ficou conhecido como 'cabeção': ser técnico em um país onde treinadores têm vida curta. Ele iniciou a carreira como comandante do sub-20 do São Paulo e tentou sua primeira empreitada em times profissionais no início deste ano, no Avaí.

Segundo o ex-meia, o trabalho estava bom no clube catarinense, mas os resultados não. Foram 18 jogos, seis vitórias, quatro empates e oito derrotas. Alex disse ter saído satisfeito do Avaí.

"Eles queriam um time que marcasse alto e jogasse com a bola. Quando os resultados passaram a não acontecer, eles mudaram de ideia. Quando eles mudaram de ideia, eu falei: o treinador não sou eu. Se vocês me contrataram para uma coisa, vocês não podem exigir de mim outra. Eu cumpri tudo que combinei com o Avaí. Eu não combinei de ganhar jogos, não sou louco de fazer isso".

Alex é da opinião de que foi vítima de um fator externo inerente ao futebol brasileiro que anseia por resultados. Ele acredita que seu time vinha atuando da forma como ele gostaria, mas os resultados não vieram. Alex gosta que seus times joguem com linha alta e pressionando no ataque.

"Eu prefiro sofrer como Guardiola sofre. Meu ideal de futebol é assim, fazendo com que a gente pressione em um campo menor, no ataque, onde você pode exigir que essa rapaziada pressione, mas não pressione longo, porque estão treinados para pressionar curto".

Alex se vê amadurecendo de forma parecida como ocorreu quando jogador. E, agora, Alex de Souza é mais um treinador no mercado e aberto a novos desafios. Pelo menos por enquanto...

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